Este sou eu… Madalena!

No decorrer dos dias que passam…
Não.
Não posso começar isto assim.
No passar dos dias que correm…
Bem melhor agora.
No passar dos dias que correm e passam por nós como se de torpedos se tratassem, é cada vez mais certa a certeza de que actualmente se conversa muito, mas fala-se pouco.
As conversas são tantas vezes inócuas, inconclusivas, insípidas, insólidas, ilíquidas, incorrectas, disparatadas, vazias, fechadas, estúpidas e desconexas.
Conversa-se sobre tudo, mas não se fala sobre nada.
Diz-se tanta coisa, mas tanta coisa fica por dizer, é deixada por dizer, propositadamente com o despropósito de esconder, não revelar, proteger uma qualquer estúpida ideia de privacidade, de “só a mim me diz respeito”, “ninguém tem nada a ver com isso”, e para quê?
Com que finalidade?
Com que propósito viramos costas à significância da palavra, do desabafo, do aconselhamento, do simples partilhar, com vista a um secretismo secular de igreja, que na verdade a única que coisa que faz é isolar, segregar, magoar, e tantas outras anormalidades terminadas em AR.
Somos animais de partilha.
Partilhamos comida, dinheiro, roupa, pensamentos, ideias, personalidades, desejos, interesses e até esses, são mantidos na escuridão.
De que temos afinal medo?
O que receamos ao certo, para, a céu aberto, nos embrenharmos no mais puro deserto de companhia, pelo mais pantanoso lodo de solidão.
Voltando a Madalena.
Voltando a Madalena, tanto se acrescenta ao pensamento que alimenta.
Os dias também passam por ela a correr, também tem conversas em que não fala, mas vive e olha a vida de uma forma atrevida.
Madalena sorri ao acordar, portanto, uma autêntica anormal dirão muitos, mas eu digo que ela sim, a Madalena vive, sonha e acorda feliz, simplesmente porque acordou, porque abriu novamente os olhos e lá fora o sol já aquece novamente, os livros cantam o seu nome em letras de surdina orquestrada e dele não sabe ela mais nada?
Soube.
Soube que se chama Francisco. Que mora na rua paralela à da casa onde trabalha.
Que escreve, ri e conta com uma alegria infantil.
Atenção, quando lhe atribuo essa mesma, alegria infantil, não o faço com o sentido depreciativo que o fazem os tristes que não falam.
Faço-o porque poucas coisas se comparam à alegria virtuosa de uma criança feliz.
Ao sorriso entregue e puro nos olhos de um petiz.
E quem discorda, é tolo ou não sabe o que diz.
Madalena e Francisco falam, conversam, sorriem como duas crianças, observados de perto por cachos de bananas, molhos de agriões, montanhas de laranjas, maçãs e limões, com o tempo contado, mas todo ele tão bem aproveitado, tão dedicado, como um namoro confirmado, que brilha em qualquer lado, sem medo do passado, com o futuro pela frente, sem pensar nele constantemente, assim vivem no presente.
Para quê pensar em mais, enquanto não é tempo de o fazer?
Para quê estragar tudo, com desejos impossíveis, vontades impostas e sonhos delirantes?
Para quê acabar o que pode estar somente a começar?
Para quê conversar sem sequer falar?
Para quando o compromisso para com a verdade, não a dos outros, mas a nossa própria verdade, escavada daquilo a que chamamos de realidade.
– Está na hora Madalena, tens de voltar para cima, diz Francisco com os olhos meio molhados e pensativos de quem se vai ver afastado de tudo o que de maior e melhor tem na vida.
Madalena pestaneja vagarosamente, como vagarosos e revoltados são os passos que dá rua acima, em direcção ao dever, afastando-se do querer, porque é assim que tem de ser.
Por estes dias, Madalena cresceu, amadureceu e tornou-se uma mulher linda, de mãos suaves e pequeninas, dedos finos e desenhados, que com os de Francisco entrelaçados, criam um tricô de felicidade e pureza.
É amor pois com certeza.
Aos 23 anos, Madalena brilha, como nunca antes brilhou, ama, como nunca sonhou, lembra o que para trás já ficou, e sabe que a felicidade chegou.
Francisco espera diariamente pela Deusa que vê descer a rua, brilha num tom que está entre o sol e a lua, olha-a como se a visse a cada dia pela primeira vez, uma e outra vez, sofre com a partida, leva horas a recompor-se, não come se ela não aparece, não adormece sem lhe falar.
Francisco e Madalena sabem bem o que é amar.
Se para sempre é medida tempo, eles não o querem contar.
Dizem: “Que o para sempre seja o tempo, do tempo que o para sempre durar!”
E dizem-no tantas, vezes, muitas delas, falando tão somente com o olhar.
Tem o sonho de casar. De branco, de véu, tem o sonho de ter sonhos que não deixam de a encantar, ver Francisco à sua espera no altar, e esse dia, irá chegar?
Francisco adivinha o seu pensar.
De anéis percebe pouco, precisa de quem o possa orientar.
De sua mãe, Madalena ouve os conselhos preocupados, de quem vê a filha e o namorado, num bairro bem falado, de orgulhos e maledicências.
Para a Madalena só a verdade e não há consequências.
Francisco pede ajuda, mas não sabe nem sequer por onde começar?
De uma coisa tem ele a certeza.
É Madalena.
A pequena está na biblioteca.
Devora livros sem parar.
Tudo graças a Francisco e a todo o seu “maroto” cortejar. 
Se na vida há mais que isto, onde está então escondido, onde se deve procurar?
Dizem que o amor é um livro.
Quantas páginas pode ter?
De que género deve ser?
Em que língua se deve ler?
O amor é lindo em português.
Francisco vai pedir, mas não sabe bem como…
Começa a conversa dizendo…
– Este sou eu Madalena… Sou assim como tu sabes que sou.
– E eu que gosto tanto… desse, deste que tu és Kiko.
Ele diz tudo o resto ao ouvido.
Ela fecha os olhos. Arrepios. Acenos com a cabeça, sorrisos, olhos esbugalhados… olhar já encharcado e estende os abraços para o abraçar.
Um abraço é um beijo desenhado.



 

 
 

Esquecer.. Como fazer? O Miguel ajuda!

“Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa – como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?
As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz?
Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar.
Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre.
Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas!
É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar.
A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência.
O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada.
Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste.
Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos.
Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se.
Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo.
Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma.
A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.
É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo.
É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si, isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.
Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção.
Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha.
Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.
O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.”
Diz tudo isto um grande navegador literário, um homem que escreve com a violência própria de quem sabe do que fala, Miguel Esteves Cardoso.
Miguel, permita-me desde já que o trate por tu, porque sem dúvida que vem facilitar todo o sistema de comunicação.
Ora dizia eu, Miguel, que este texto que humilde e tão descaradamente retirei de um qualquer lado de uma rede social, é na verdade, bastante verdadeiro, cru, sincero, e traduz na imediata sensação ocular uma felicidade enorme, na medida em que há um sentimento de pertença a uma dor, possibilita-me de facto abrir a janela da cave e ver para além dos pés dos outros.
Na verdade Miguel, o sofrimento desgosto e penoso de quem sofre e quer esquecer é tanto maior quanto maior é o AMOR que se guarda no peito.
E o que dizes tu quando alguém não quer esquecer?
Não quer deixar de amar!?
Não quer deixar de sentir saudades!?
Não quer aceitar que acabou!?
De facto tudo o que atrás referiste é pertinente e tão clichezado que se torna incontornável.
Dizem-nos sempre: “Ai homem, tens é que te divertir, tens é de sair e pensar que, às vezes, fecha-se uma porta e abre-se uma janela.”
Mas isto não é tão simples quanto isto.
E te digo Miguel, que mesmo no final do teu pensar, há algo que me deixa a divagar, isto é, sugeres que “(…) se deixe correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.”
Miguel, o que fazer se o coração não se cansar de todo? O que deve o homem fazer para por o coração a fazer gelo, a ver se lhe passa o hematoma?
Haverá algum problema em ficarmos com alguém para sempre dentro de nós?
Consegues aclarar a imagética?
De facto há ensinamentos que advêm dessa experiência traumática.
Aprendemos sobretudo uma coisa, única e fundamental.
Somos quem somos.
Somos o que vivemos, o que amamos e o que sofremos.
E somos com toda a certeza bem mais, depois de passarmos pelo túnel de escuridão e penúria que passa quem é forçado a esquecer, ou quem tem esse desejo, ou quem simplesmente fica órfão de um sentimento desproporcional à proporção de homem que tem em si.
No masculino porque sou um deles.
E porque não sei como sofre uma mulher.
Sei como se ama uma mulher.
Sei como se recorda.
Sei como se sonha.
Sei como se nega toda a vontade de querer tudo o que sei.
Mas não sei se quero saber mais do que aquilo que sei e aprendi.
Talvez me reste apenas acatar o teu último dito, “esperar que o coração se canse”.
Obrigado Miguel, de qualquer forma é sempre um prazer ler da fúria dos teus dedos!
É sempre um prazer saber o que pensas e pensar no que sabes.

De volta

Passados vários meses sem a publicação de uma única linha neste espaço, eis que o fervor criativo me abraça e me impele à escrita neste espaço egoísta que tenho orgulho em reclamar como MEU!
Muito passou, muito se fez, muito se conquistou, muito se disse, muito se viveu, se perdeu, se ganhou, se transformou…
Regresso às palavras, fugindo dos sentimentos, regresso às palavras tendo na mente as palavras sábias de Alberto Caeiro, que nos deixou a mensagem pura, de que “Pensar é estar doente dos olhos.”….
E de facto talvez seja mesmo isso que o mundo tem tido falta de doenças nos olhos, porque de pensamento pouco ou nada tem aproveitado.
Guerras, aumentos, recibos verdes, transferências e ordenados milionários, desemprego, fome, torturas, Wikileaks, Carlos Castro, Coreias, Futebol, Mourinho, José Manuel Coelho, já disse Carlos Castro??
Acho que sim… (Aches to aches… dust to dust)…
Que reviravolta é esta a que os olhos estão sujeitos?
Todos os dias se fazem perguntas, se contam histórias, se dizem coisas, se esquecem memórias, em torno do imediato, que hoje em dia é sem dúvida o principal prato da ementa imagética a que nos propomos assistir.
Quantas vezes imagino estar sentado, sossegado, descansado, feliz e conformado, com o presente, futuro e passado… Mas também quantas vezes sinto que esse mesmo pensamento é de todo impossível de alcançar.
Dou por mim a pensar… lá está.. estou doente dos olhos…
Dou por mim a pensar, que não há sequer tempo para respirar, neste corropio frenético de imposições sociais de um mundo que caminha a passos mais que rápidos para a incerteza dominante, para a pobreza relacional de quem faz do mundo, O MUNDO… Nós!
Em que nos transformámos nós?
Somos hoje pessoas com cada vez mais problemas relacionais.. temos como objecto pessoal primordial, algo que nos obriga a tirar os olhos do horizonte e a centrá-los num pequeno ecrã….
IPhones, Blacberrys, Samsungs, Ipads.. tudo serve para nos tornarmos pessoas mais sós, para nos tornarmos menos pessoas, e mais indivíduos.
Sempre soube, ou melhor, sempre tive como garantido que o ser humano era essencialmente fruto do meio onde está inserido…
Hoje em dia acredito que o ser humano é cada vez mais influenciado pelo mundo onde se insere.
Hoje escolhemos o que há uns anos atrás não era sequer hipótese de escolha..
Hoje temos total controlo daquilo que queremos ser, ou melhor hoje temos total acesso à projecção daquilo que gostaríamos de ser.. e se não o conseguimos ser, fingimos que somos, porque para os outros é exactamente a mesma merda!
E é isso que na verdade mais importa, aquilo que eu sou, tem mais valor, quando é valorizado pelo outro, e não quando me distingue do outro.
Obrigado avô por tudo o que me ensinou.
Nos meus 27 anos de vida, aprendi muito com a sua rectidão, com a constância de um pensamento estruturado, edificado a tijolo e cimento, e assente numa preponderância de convicções inabaláveis que tanta falta fazem a este mundo do qual partiu.
A mim fazem-me muita falta, e acho que aqui, agora, com as lágrimas que me escorrem pela cara, fruto das palavras que aqui escrevo, praticamente 2 meses depois da sua morte, agora sim sinto verdadeiramente a falta que me faz.
Tenho pena de não lhe ter dito as últimas coisas que tinha para lhe dizer, para lhe contar, para lhe mostrar.
Aprendi muito, contarei tanto, pensarei sempre, mesmo que isso seja a doença dos meus olhos, que tive a sorte de ter sido educado por alguém que sempre considerei uma entidade deveras superior, magnânime, acima de todas as coisas térreas.
Continuarei a missão de ser o que sou, de ser como sou, de tentar que os outros sejam mais como eu, porque não quero de todo ser igual a todos os outros.